terça-feira, 18 de março de 2008

Sem título

Ter nos lábios a mais contundente forma do desejo
Do corpo a mais pungente dor do contato
O frêmito que antecede o ápice

Explodir enfim como fosse a última
A face rubra de volúpia os olhos
Da fêmea que se aninha em meio aos lençóis

O cheiro quente que desprende, a boca
Suplicante e aberta
Lançar-se como em um abismo nos braços da mulher amada

Pensei ter ouvido sua voz

Pensei ter ouvido a sua voz
Não, não era você
Simples brandir das cordas vocais de alguém
Não as suas, que não existem mais

Talvez tenha sido meu peito
(a cabeça)
Rememorando, buscando lhe ouvir...

Pareceu-me a sua voz
Disse-me: Arnaldo...
Chamou-me e foi tudo
Não era você.

Campinas, 15/05/2006

Sem título

Não que eu quisesse a eternidade
Eu não quero
Queria apenas uma desculpa

Campinas, 29 de julho de 2006.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Purgado Jamais

Deixar que feito lâmina
Da face a lágrima faça
O reflexo da lembrança

É sempre o oposto que se impõe
E as verdades vêm abrindo caminho
Como a frieza brusca do metal

Mas vale a pena tanto assim rebuscar o pensamento??

É que não há nada que exponha mais a verdadeira dor
Do que o lodo grosso e negro das entrelinhas

Nada pode, além de uma linha não escrita
Uma palavra não colocada
Ser mais preciso e claro

Já que dizer é tão pouco ante o olhar alheio
A linguagem polissêmica do peito

Melhor é queimar
Fazer do pulmão cinzas
Como a fumaça levasse a crueza embora

Talvez seja por isso que distorço e quebro as cordas da guitarra
E por isso que do violão melhor me soam as dissonantes

É que nos cantos das unhas se alojam as minhas incertezas e frustrações

O álcool distorce a visão
Nada é por acaso

Então nos meus ouvidos ecoam as mais estúpidas batidas de um computador
E eu me lembro dos acordes nunca tocados
Com a nostalgia de um exilado
Exilado de mim mesmo

Negado por minha própria cria
Criado pelos meus erros
Purgado jamais

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cotidiano

Acordar
Lavar o rosto
Deixar que as águas levem consigo os vestígios da noite passada
(as formas sonhadas vão se dissipando, aniquilam-se no tempo)

Respirar, reter a náusea, urinar...

Vestir a máscara de outro e novamente lançar-se no teatro coletivo

domingo, 2 de dezembro de 2007

E viva o Túmulo do Samba!

Reza a lenda que certa vez, quem sabe por ter abusado um pouco mais do aperitivo, Vinícius de Moraes deixou escapar que São Paulo era o “túmulo do Samba”. O motivo de tal afirmação, assim como sua pertinência, é obviamente discutível; contudo, a repercussão da mesma é um fato. Sem contar que, com essa polêmica, alimentou-se ainda mais a rixa entre Rio de Janeiro e São Paulo.
O Rio é, sem sombra de dúvidas, a capital do samba. Posso dizê-lo com certa segurança porque há pouco mais de um mês, por conta de um colóquio na UERJ, tive o privilégio de conhecer a cidade maravilhosa e, por ser amante do samba, não pude deixar de visitar a Lapa. Há qualquer coisa de especial naquele lugar, não sei se pelo glamour do Rio de Janeiro, por saber que por lá pisaram Noel, Cartola, Nelson Cavaquinho, Pixinguinha, ou se por ver o Chico Buarque falando de samba em frente aos seus famosos arcos. Mas há um certo ar naquelas ruas, um pouco nostálgico, do tempo daqueles grandes mestres, que é o suficiente para que no âmago nos sintamos também boêmios autênticos. Do mesmo modo, quando caminhamos por Copacabana, Ipanema, torna-se impossível não pensar na Bossa Nova. Reações naturais, considerando-se a história desses locais.
De qualquer modo, aqui no sepulcro paulista, existiu um sambista, filho de imigrantes italianos vindos de Veneza para Valinhos, chamado João Rubinato, que mais tarde se tornou conhecido como Adoniran Barbosa, compositor de grandes sucessos imortalizados pelo grupo Demônios da Garoa como Saudosa Maloca, Trem das Onze, Samba do Arnesto,Tiro ao Álvaro, este último também interpretado por Elis Regina.
Seu samba é único, com letras muito bem elaboradas, de um humor delicioso que muitas vezes permeia a crítica social. Com o sotaque próprio dos italianos e certos erros de concordância como “nóis fumo e não encontremos” ou “a turma lá do morro convidaram-nos”, retrata com a precisão de uma crônica o cotidiano dos trabalhadores de São Paulo, os sambas acontecidos no Brás e no Bexiga, o desenrolar de romances, os despejos nas favelas, tendo também viadutos, praças e avenidas famosas de São Paulo como parte integrante do cenário de suas canções.
Com efeito, somente a imagem de Adoniran Barbosa já seria suficiente para dizermos que São Paulo está entre os pontos altos do samba brasileiro. Ainda assim, o selo Biscoito Fino, à guisa de reafirmar esta evidência, lançou uma caixa com quatro cds, contendo gravações impecáveis de composições do também paulista Paulo Vanzolini, com interpretes da mais alta estirpe como Chico Buarque, Elton Medeiros, Inesita Barroso, Paulinho da Viola, Miúcha, Carlinhos Vergueiro, Martinho da Vila, Paulinho Nogueira, entre outros. O título desta jóia não poderia ser mais pertinente do que “Acerto de contas de Paulo Vanzolini”, o compositor da imortal Ronda, de Volta por cima e Praça Clóvis. Sóbrio e mordaz, Vanzolini não enfatiza em suas letras mulatas, sol e mar, e sim os crimes passionais, a melancolia, os batedores de carteira na praça, sem deixar que nem mesmo um único detalhe da vida urbana paulistana escape ao crivo de seu olhar atento, constituindo-se assim, como um dos maiores compositores de samba do Brasil.
Enfim, o poeta tinha consciência plena desses dois gênios incontestáveis do samba paulista, e sendo um diplomata, não diria aquilo a sério, evidentemente. Afinal de contas, samba mesmo não tem fronteira, todos sabem, é música baiana, carioca, mineira, paulista e, sobretudo, brasileira!

Texto que publiquei no Correio em 2006

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Soalheira

O primeiro poema que me rendeu alguns trocados:

Soalheira

Este suor que escorre salgado
Não é menos digno que a palavra
Que a labuta o braço a faca
Quiseram tanto e tanto faz

É a labuta que neles se faz
Que endurece a pele e cria calos
A alvorada que espera os braços
As pernas os facões

Este suor que escorre salgado
Não é menos digno que o nó bem dado
Que o terceiro botão aberto
Do paletó

Nem é mais digno o pé amarrado sob o couro negro
Que reflete uma face negra que se ajoelha para melhor torná-lo
O que reflete outras faces negras

Não é menos digno este suor salgado
Que escorre
Que a água de cheiro o banho a bucha

Pinga pinga pinga pinga...
O chão engole o sal
Pinga pinga pinga na soalheira
A roça o ruço a roxa
Enxada a mão que incha

Esta palavra que fala
Não é mais digna que o suor que escorre
É igual
Porque tem corpo dor e sua
E também tem sabor de sal